Como a imunologia pode ser a resposta contra o Ebola
De repente, o paciente desenvolve um quadro febril, febre alta com prostração, o paciente fica cansado. Isso tudo sem falar das dores no corpo que eram bem intensas.
Por três dias estes sintomas incomodam o nosso paciente, no laboratório a linhagem branca está diminuída, especialmente às custas de linfopenia. Plaquetas também baixam e as enzimas hepáticas aumentam.
Após esses três dias surge uma dor epigástrica, nauseas e vômitos acompanham a dor e são bem frequentes. E se não bastasse, junto com a diarréia aquosa a nossa vítima começa a ficar desidratada.
Já no quinto dia dia, notamos um eritema que se concentra na porção superior do corpo, acometendo a porção cefálica, ombros, tronco superior e porção proximal dos membros superiores.
Com os dados acima, sem qualquer contexto epidemiológico, qual seria a sua hipóstese?
Os sintomas inespecíficos nos remetem a uma doença infecciosa – virus é a grande possibilidade.
Precisamos de algo mais, nesta conjuntura apenas as informações não conseguiremos definir. Para o diagnóstico, para a definição de qual doença o paciente é portador, vamos precisar de algo a mais.
Então vamos para o contexto, para a epidemiologia. É um paciente localizado em algum lugar do oeste Africano. E mais, na mesma cidade outras pessoas estão desenvolvendo sintomas semelhantes…
Estes sintomas estão acontecendo no contexto de um surto epidêmico de um país Africano Ocidental.
Agora, com estes sinais e sintomas neste contexto epidemiológico é mandatório descartar a possibilidade de EBOLA. É com isso em mente que vamos agir.
Lembrete Pele Digital - assim como na DENGUE os qadros hemorrágicos no EBOLA não são os mais comuns. O correto é chamar esta doença de Doença viral por Ebola em vez de Febre Hemorrágica, que é uma manifestação possível
Lembrando que após 72h de doença, o RT-PCR deve ser positivo (caso contrário descartaria ebola como diagnóstico). E não deu outra, foi exatamente isso que ocorreu.
Estamos diante de uma uma doença que tem uma taxa de mortalidade que pode chegar a 50%.
Voltando para o paciente, que já está desidratado, e já demanda suporte – que por sinal, junto com as medidas de isolamento, é a intervenção mais importante no cuidado do portador de ebola, com impacto direto na sobrevida.
Após o suporte, qual medicação prescrever? Como devemos agir?
Naturalmente a primeira pergunta que fazemos é? Qual antiviral devemos prescrever, assim como fazemos nos casos do herpes simplex ou herpes zoster?
O problema é que não temos antivirais específicos para o EBOLA…
E diante do desafio é que precisamos olhar para as possibilidades. É agora que a medicina precisa mostrar como pode ajudar o nosso paciente.
Se a gente não consegue lesar o vírus, precisamos ajudar o nosso sistema imune.
Não vamos entrar na especificidade da interação entre o vírus Ebola e o nosso organismo, vamos pegar um conceito básico, vamos pedir ajuda de nossos anticorpos que vamos chamar de neutralizantes.
A lógica é sempre a mesma, o vírus vai precisar de nossas células para se multiplicar e prosperar e uma das funções de nossos anticorpos é bloquear o acesso às células.
O nosso paciente já mostra alguns sinais de gravidade, que o desenvolvimento de sintomas intensos, com desidratação. Com febre deveria estar mais taquicárdico, é a famosa dissociação pulso-temperatura, estamos diante de uma bradicardia relativa.
Não sabemos como o paciente vai evoluir. Não sabemos se vai desenvolver a forma grave da doença.
Nesta batalha entre o corpo e o vírus, precisamos ajudar o nosso paciente, para enfim se defender da ameaça que se multiplica e se a velocidade for superior ao bloqueio imune o risco de morte é real.
Desta forma, uma possível solução que vem do início do século XX com Behring e Kitasato, é a imunoterapia passiva, em que entregamos anticorpos certos, prontos para o nosso paciente (se você deseja relembrar esta história não perca o nosso vídeo soroterapia a maior descoberta do século XX).
Sabemos que a imunoterapia passiva é muito mais que soroterapia. A evolução foi tremenda, e em vez de soro de cavalo, usamos a biologia molecular a nosso favor.
No caso do ebola, existem alguns desafios, como as diferentes cepas (seis no total) e o mecanismo de entrada na célula. O segundo desafio é a saber se realmente vai funcionar, e é exatamente isso que o estudo entitulado A Randomized, Controlled Trial of Ebola Virus Disease Therapeutics, publicado em dezembro de 2019 mostra.
Os autores utilizam um cocktail de anticorpos, que atuam em diferentes locais do vírus que foi capaz de diminuir a mortalidade de 51.3% para 33.5%.
O cocktail chamado de REGN-EB3 ou Inmazeb contém: atoltivimab, maftivimab, e odesivimab
E com essa maravilha da bioengenharia além de diminuir a mortalidade, diminui os sintomas e também minimizam o risco de desenvolvimento de resistência pelo processo de seleção.
E no artigo entitulado Structure of the Inmazeb cocktail and resistance to
Ebola virus escape que resolve estudar a estrutura desta droga, os autores mostram os epítopos de ação do anticorpo, ressaltando os diferentes locais de atuação e também demonstram como essa estratégia consegue minimizar o risco de escape viral e do desenvolvimento de cepas resistentes à terapia.
Ainda estamos longe de resolver o problema no Ebola, ainda temos um longo caminho para percorrer, mas a história acima nos traz alguns ensinamentos
- A imunoterapia passiva é uma arma antiviral específica com ação nos sinais, sintomas e impactar a mortalidade
- A imnoterapia passiva pode ser utilizada como profilaxia de novos casos
- Entender dos mecanismos de doença e de como o nosso sistema imune nos defende é fundamental para trazermos alternativas para os nossos pacientes.
E você, conhecia o Inmazeb? Como você utiliza os seus conhecimentos médicos translacionais?
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